Aumentam casos da Lei Maria da Penha
A cultura machista é apontada como fator principal na violência contra a mulher.
E a incidência das agressões mostra que o cenário é grave e está longe de ter um fim.
O Brasil registrou, nos dez primeiros meses do ano passado, 63.090 denúncias de violência contra a mulher, o que corresponde a um relato a cada sete minutos no país.
A dificuldade para combater as ocorrências tradicionalmente tem a ver com a cultura machista, o medo, a vergonha, a desistência da vítima em seguir com a denúncia e, especialmente, o entendimento de que não existe amor quando há a dor.
Os números são da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), a partir de balanço dos registros recebidos pelo Ligue 180. Entre estes, quase metade, 31.432 - ou 49,82% - corresponde a denúncias de violência física, sendo que 58,55% foram relatos de violência contra negras. Também houve 19.182 denúncias de violência psicológica (30,40%), 4.627 de violência moral (7,33%), 3.064 de violência sexual (4,86%) e 3.071 de cárcere privado (1,76%).
Os atendimentos revelam ainda que 77,83% das vítimas têm filhos e que mais de 80% deles presenciaram ou também sofreram a violência. Os dados apontam que, entre os relatos de violência, 85,85% corresponderam a situações em ambiente doméstico e familiar. Na maioria, 67,36%, as violências foram cometidas por homens com os quais as vítimas tinham ou já tiveram algum vínculo afetivo, como cônjuges, namorados, ex-cônjuges ou ex-namorados. E em cerca de 27% dos casos o agressor era um familiar, amigo, vizinho ou conhecido.
Na comarca de Seara, conforme o promotor de Justiça Michel Eduardo Stechinski, num levantamento prévio da Promotoria, entre 2015 e 2016 o Ministério Público ofereceu 110 denúncias de situações envolvendo a Lei Maria da Penha. As principais ocorrências são de ameaças e lesão corporal. "Esse número significa o que veio à tona mediante registro de Boletim de Ocorrência na Delegacia, que chegou ao nosso conhecimento e teve elementos mínimos para oferecer denúncia", revelou. O promotor searaense cita exemplos do nível dos casos ocorridos na comarca, onde uma vítima foi obrigada pelo marido a comer terra dos vasos de flores e outra foi forçada a dormir ao relento.
A maioria dos casos não são denunciados e outros são arquivados por falta de provas, pois é preciso o mínimo de elemento probatório para iniciar um processo criminal. "A grande dificuldade no processamento dessas situações muitas vezes é a ausência de testemunhas, pois são crimes que geralmente ocorrem no lar".
Salienta que em casos de violência doméstica é preciso dividir o crime entre ameaça e lesão corporal. "No caso de ameaça, a vítima faz um Boletim de Ocorrência na Delegacia e se ela manifestar o desejo de arrependimento posteriormente, e queira desistir de seguir com o procedimento, o que é comum na maior parte dos registros, nós temos que marcar uma audiência em juízo e colher essa retratação da vítima. E estes crimes acabam não entrando nas estatísticas de ocorrência da violência à mulher".
Porém, quando há lesão corporal, já a partir do Boletim de Ocorrência e com comprovação mediante laudo e testemunha de que houve agressão, independente da vontade da vítima, segue para o MP e é oferecida denúncia contra o autor. "Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada".
O promotor destaca que "o grande problema entre o tempo da denúncia e a marcação da audiência é que muitas vezes as partes se reconciliam e aí não se consegue comprovar judicialmente, porque tudo o que apuramos no inquérito obrigatoriamente temos que comprovar em juízo. Em muitas situações a mulher chega dizendo que mentiu na Delegacia para tentar amenizar, o que torna bem complicado se chegar à condenação dos agressores".
Na avaliação de Michel Stenchinski, "o maior benefício da criação da Lei Maria da Penha é que ela admite a prisão preventiva no curso do processo se as ameaças continuarem. Então, ela é muito rica em instrumentos protetores da mulher". Acrescenta que a instituição da lei é uma conquista grande pela cultura machista ainda existente na sociedade atual. "Há violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. E quando se chega a esse ponto do registro, na maioria das vezes constatamos que os casos são reiterados".
Medo é empecilho
O medo é o principal fator para que a vítima não denuncie. "Se não for pela conscientização própria do homem, será pela lei, que quando aplicada é bem rígida. Infelizmente, precisou-se de uma lei", finalizou o promotor Michel Stechinski.
Mais de 100 denúncias por agressão em Seara neste ano
Humilhar, xingar, diminuir a autoestima, controlar, oprimir, expor a vida íntima, bater, estuprar. Esses e outros tipos de atitudes de opressão contra a mulher são hoje crimes previstos pela Lei Maria da Penha.
A partir da formulação de uma legislação específica, o Brasil reduziu em 10% o número de homicídios de mulheres. Esta é a principal lei do país para enfrentar a violência contra o sexo feminino.
O Folhasete entrevistou nesta semana a presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM), Sheila Sabag. Relatou que em Santa Catarina a maior violência feminina é a sexual. "O Estado ocupa o quarto lugar no ranking em nível de Brasil em estupro de mulheres".
A presidente alerta que poucas pessoas reconhecem, mas há outras formas de violência, como a doméstica e familiar, e, segundo ela, o que mais afeta as vítimas nos dois exemplos citados é a violência psicológica. "Tem também a moral, verbal e a patrimonial, esta última é a que elas menos detectam".
Salienta que "a gente ainda continua educando as meninas para a submissão. Já os meninos, a gente não discute as masculinidades necessárias, que são a desconstrução dos ensinamentos machistas. Continua-se reafirmando que o poder é masculino, que algumas profissões são exclusivamente para homens e o lugar das mulheres é no lar".
Sheila Sabag enfatiza que é fundamental voltar a discutir as diferenças de gêneros através da educação. "É preciso dizer para os meninos que respeitem e não agridam as meninas e para elas que não se deixem agredir".
Exemplifica ainda que até a diferença salarial para aos homens e mulheres é uma forma de discriminação no Estado. "Aqui, para se ter uma ideia, os homens recebem em média 35% a mais que as mulheres nas mesmas profissões, enquanto no Brasil a diferença é de 30%".
Com relação ao combate à violência feminina, a presidente afirma que em Santa Catarina existem algumas ações, programas e projetos. "Porém, não existe uma política pública para o enfrentamento e nem para a autonomia dessas mulheres".
Buscar auxílio é de fundamental importância
A presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, Sheila Sabag deixa como recado que "se alguma mulher estiver passando por problemas e tem dúvidas de que trata-se de violência, ou que saiba de alguém que esteja nessa situação, ligue para o 180. E se tiver coragem, e precisa muita coragem para procurar órgãos responsáveis, que faça ou que ligue para o Conselho Estadual da Mulher, que faremos os devidos encaminhamentos. Somente unindo forças, olhando e zelando umas pelas outras que combateremos este mal. As mulheres devem parar de julgar umas as outras, porque elas são educadas para serem agredidas. É esse o entendimento do patriarcado do machismo. Não julgue, ajude!".
De acordo com a a área de Assistência Social de Seara, os casos de violência contra a mulher geralmente são registrados diretamente na Delegacia de Polícia Civil e que dali se gera um processo. Poucas vezes os casos chegam para o setor para encaminhamentos ou acompanhamentos.
As informações são de que são raros os casos de Lei Maria da Penha em que a Assistência Social toma conhecimento para intervir. No geral, conforme o setor 90% das situações são de violação de direitos contra idosos que chegam à Secretaria e em segundo lugar, violação dos direitos contra criança. Quando ocorrem casos de agressão a mulheres em que a área é acionada as vítimas são encaminhadas para atendimentos psicológicos através do setor de Saúde Mental e, dependendo do quadro, são direcionadas para atendimento psiquiátrico.
Em Seara não há programas específicos para os casos relacionados à Maria da Penha nas ações da Saúde Mental.
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